Como este forum está muito parado vou trancrever um artigo que penso enviar para o jornal Miradouro
DO ALTO DA MINHA PENA
A minha pena já não escreve, recusa-se a trabalhar de tão desolada que está. Até agora era altiva, dominadora, lá do seu alto vigiava tudo o que ocorria na sua querida Gralheira, agora não consegue ver nada. Passa o dia preocupada com o que lhe colocaram nas costas, se vira um pouco os olhos para a Gralheira, logo sente um rugido atrás e preocupada como que se baixa, não vá uma daquelas asas darem-lhe cabo da cabeça. A minha pena era um ex-líbris da Gralheira. Toda a gente que a visitava via aquele castelo natural a dominar a paisagem e admirava o engenho do arquitecto divino que construiu tal beleza. Hoje, quem por lá passar vai ver a mesma pena, mas parecer-lhe-á muito mais pequena, muito mais acabrunhada, porque neste país de corruptos e aldrabões, tudo se pode fazer. Como é possível, que os responsáveis pelo ambiente, deixem construir uma torre eólica mesmo junto à nossa pena? Eu sei, ninguém vai protestar, o povo é humilde e ignorante e aquilo é uma obra da natureza não tem nenhum valor histórico, até tem lá uns riscos, mas não são obra humana, foi um raio que fez alguns e outros nada mais são, do que dejectos das aves que por lá fazem os seus ninhos, e isso tem algum valor? Para as entidades oficiais por certo não, mas para este povo humilde e ignorante tem muito. Habituou-se desde sempre a admirar o seu “castelo”, para todos os jovens que nasceram ou foram criados na Gralheira a subida ao alto da pena era um dos pontos altos na sua viragem para adolescente, não era fácil a subida, mas quem o conseguia fazer já demonstrava grande destreza e com orgulho afirmava, “ já consegui subir à pena”. Se é verdade que a subida não era fácil, valia a pena o esforço, pela paisagem e pelo sossego que se desfrutava no seu alto. Recordo agora quando em dias límpidos de primavera, eu me aventurava a fazer a escalada e lá do alto, só ouvia as aves atarefadas no seu processo de reprodução e a minha vista abrangia uma larga paisagem; para norte, logo em primeiro plano a Gralheira e depois todo o resto de Portugal, desde o Douro até à raia de Espanha, como são as serras do Larouco e do Gerês. Para nordeste todas as serranias até Bragança, para oeste o resto da serra e para leste, até terras do distrito da Guarda.
É verdade que hoje ainda poderei subir à pena, mas que encanto terá? Em vez do chilrear dos pássaros terei o barulho sistemático das pás da eólica. Por certo, as aves que por lá procriavam, nomeadamente os peneireiros, irão abandonar os seus ninhos, e ninguém no seu perfeito juízo, aguentará mais que alguns segundos naquele ambiente.
Quem hoje da Gralheira olha para a pena, verá uma torre com mais uns vinte metros do que o morro, e terá a nítida sensação que as pás da hélice irão chocar a qualquer momento com o mesmo.
Este artigo é um desabafo de um dos muitos amantes da Gralheira, que estão desgostosos com a implantação dos parques eólicos. Não se trata aqui de ser contra ou a favor dos mesmos, trata-se de um protesto pela forma como eles foram implantados, pouco se importando em ouvir as populações locais e seguindo um destino errático obedecendo aos interesses de alguns indivíduos em prejuízo de muitos.
Gralheira, 21 de Novembro de 2010
José Carlos de Jesus Rodrigues