A difícil escalada para as energias renováveis
A União Europeia assumiu compromissos no sentido de incrementar a utilização das fontes renováveis de produção de energia. Constituirá a exploração da energia eólica uma hipótese viável para o nosso país? A que preço?
Cláudia Fulgêncio
No actual cenário do sector energético europeu impera, ainda, a larga utilização de fontes não renováveis de energia e o seu elevado consumo, sendo evidente a forte dependência face aos países produtores de petróleo.
A população está, no entanto, mais desperta para a problemática dos impactes ambientais inerentes à actual situação, para o que terão contribuído a Conferência do Rio (1992), de onde resultaram documentos importantes no âmbito da biodiversidade e alterações climáticas, o Protocolo de Quioto da Convenção-Quadro das Nações Unidas (1997) e a Conferência de Haia (2000).
Ciente de que a promoção e utilização de fontes renováveis para a produção de energia surge como uma necessidade, no sentido de garantir um desenvolvimento sustentável para as gerações presentes e futuras, a Comunidade Europeia apresenta esta solução como uma das suas prioridades globais, a que estão inerentes consequências importantes, como a redução da dependência em relação às importações de energia e a redução das emissões de CO2.
De acordo com cenários elaborados pela União Europeia, 1% de investimento anual suplementar aplicado no sector das energias renováveis, permite reduzir as emissões de CO2 em 0,5-0,7% e reduzir as importações de não renováveis em 0,6% ao ano.
No Livro Verde, de 20 de Novembro de 1996, e no Livro Branco, de 26 de Novembro de 1997, intitulado «Energia para o Futuro: Fontes de energia renováveis», a Comissão Europeia deu início a um processo de desenvolvimento e futura execução de uma estratégia e de um plano de acção no domínio das fontes de energia renováveis, comprometendo-se a que estas atinjam o valor de 12% do consumo interno bruto da Comunidade em 2010.
Aguardam-se agora as conclusões da actual discussão, no Parlamento Europeu, da Directiva Quadro para as Energias Renováveis (96/92/CE), e resultados práticos da aplicação dos planos projectados.
Qual a situação energética em Portugal?
O balanço energético nacional evidencia, também, a importância que o petróleo e carvão assumem no conjunto das fontes de energia primária utilizadas, com relevância crescente do gás natural, que não deixa de ser, de igual forma, um recurso limitado.
A produção de energia de origem nacional é apenas de 3,98 Mtep, sendo basicamente resultante da biomassa (2,65 Mtep) e das centrais hídricas (1,27 Mtep).
O nosso país tem, no entanto, potencialidades pouco aproveitadas no que respeita à energia eólica. O desenvolvimento deste sector poderá ser um caminho a seguir, face à necessidade de cumprir os compromissos estabelecidos no seio da União Europeia, quanto à produção de energia a partir de fontes renováveis. Mas este é também um caminho com obstáculos e condicionantes.
No sentido de debater os prós e os contras desta solução, realizou-se a 20 de Fevereiro, em Lisboa, um debate, com as participações do Dr. Pedro Silva (Secretário de Estado do Ordenamento do Território), Arq.º Carlos Guerra (Presidente do Instituto de Conservação da Natureza), Prof. António Betâmio de Almeida (APREN - Associação dos Produtores Independentes de Energia Eólica e Fontes Renováveis), Prof. Álvaro Rodrigues (Universidade do Porto) e Eng.º Carlos Pimenta.
Energia Eólica e Ambiente – Prós e Contras
Actualmente existem cerca de 30 parques eólicos em Portugal, que totalizam uma potência instalada de aproximadamente 115 MW.
Contudo, Álvaro Rodrigues, professor da Faculdade de Engenharia do Porto, calcula que Portugal tem potencial para produzir 1650 MW de energia, a partir do vento - caso se considerem restrições ambientais moderadas - e 700 MW, considerando um cenário de restrição ambiental severa.
Entre as vantagens de apostar nesta energia apontam-se a grande disponibilidade global, a não emissão de poluentes, o fácil desmantelamento e quase total reciclagem dos componentes dos parques, os custos externos e sociais baixos e o aproveitamento de um recurso endógeno (redução da dependência energética exterior). No outro prato da balança encontram-se a aleatoriedade e a baixa densidade desta forma energética, a afectação da avifauna, o ruído e o impacte visual. O uso do solo, a ligação à rede eléctrica nacional e a compatibilidade ambiental dos parques eólicos com as áreas classificadas são, por ele, consideradas as principais barreiras ao desenvolvimento deste sector em Portugal.
Pedro Silva, defende, por seu lado, que não existe, necessariamente, uma incompatibilidade entre áreas classificadas e instalações eólicas. Por exemplo, no caso da Reserva Ecológica Nacional, as restrições legais aplicáveis (Decreto-Lei nº 93/90, de 19 de Março) podem ser ultrapassadas, tal como se encontra previsto na alínea c) do Artigo 4.°, no caso de se reconhecer interesse público nos projectos.
Nos sítios da Rede Natura a questão é mais complexa. Os projectos a localizar neste locais têm de ser sujeitos a apreciação pelo ICN ou a Avaliação de Impacte Ambiental.
De recordar que, de acordo com o Decreto-Lei nº 69/2000, de 3 de Maio, os projectos de aproveitamento da energia eólica para produção de electricidade, estão sujeitos a Avaliação do Impacte Ambiental, na generalidade, quando têm 20 ou mais torres, e nas áreas sensíveis, quando têm mais de 10 torres, ou estão localizados a uma distância inferior a 2 km de outros parques similares (tanto no caso geral, como em área sensíveis).
Nas Áreas Protegidas aplica-se o regime legal específico da área em causa e terá de ser respeitado o Plano de Ordenamento (caso exista), com as condicionantes inerentes. Estas áreas são também problemáticas para este tipo de projectos, dado que o valor da paisagem assume-se como uma variável adicional a ter em conta na tomada de decisão.
Foi ainda assumida, pelo Secretário de Estado, a necessidade de uma maior coordenação entre o Ministério do Ambiente e o Ministério da Economia, na avaliação de projectos, no sentido deste último dar o seu contributo na adopção da melhor solução tecnológica.
O Arq. Carlos Guerra sublinhou que os parques eólicos são, em muitos casos, localizados em áreas com estatuto de protecção, porque para que um aerogerador funcione, a velocidade do vento tem de ser superior a 9 Km/h, o que é incómodo para o desenvolvimento da maioria das actividades humanas, daí que os espaços com essas características acabam por ser aqueles em que o património natural ainda subsiste de forma mais equilibrada.
Em relação às complicações que os parques eólicos podem trazer para a avifauna, o Presidente do ICN apresentou algumas conclusões de estudos referentes a parques eólicos no estrangeiro, segundo os quais: a maior parte das aves evitam a colisão com os aerogeradores; o grupo de aves com maior probabilidade de colisão são as aves de rapina; a utilização de alguns tipos de turbinas acarreta um maior risco; não se verifica a existência de um risco de colisão acrescido para as aves migradoras nocturnas; na Europa, à excepção de algumas migradoras costeiras, a mortalidade causada nas aves por parques eólicos é menor que nos EUA; os aerogeradores matam muito menos aves que os cabos eléctricos que lhe estão associados.
Carlos Pimenta, ex-eurodeputado e empresário desta área, defende que é imprescindível compatibilizar o ordenamento do território e a conservação da natureza com a energia eólica. Salienta, ainda, a necessidade de rigor na AIA, na elaboração do caderno de encargos relativo à fase de construção dos parques eólicos e na sua monitorização durante a exploração.
O ex-secretário de Estado do Ambiente defende a criação de zonas de produção de energia eólica, em conjunto com zonas agrícolas e industriais, e a definição dos locais onde se pode ou não instalar parques eólicos.
Carlos Pimenta acredita que nos próximos anos ocorrerá uma mudança do paradigma tecnológico da energia, já que os países tentarão desenvolver cada vez mais as fontes renováveis. O ex-secretário de Estado do Ambiente refere o exemplo da província de Navarra, em Espanha, onde se prevê que, em 2010, os consumos energéticos serão 100% assegurados por fontes renováveis. Além da aposta nas energias renováveis, Carlos Pimenta defende, ainda, que Portugal tem de se mostrar mais preocupado com a sua ineficiência energética e com o cumprimento do protocolo de Quioto.
António Betâmio de Almeida considera essencial que o nosso país uniformize os critérios de licenciamento da utilização dos recursos naturais e que se agilizem os processos, para que a energia eólica se torne progressivamente mais competitiva. Este responsável acredita que se está a caminhar no sentido de se conciliarem os prós e os contras inerentes à produção de energia a partir do vento.
Anunciou ainda que a APREN está a elaborar um Plano Estratégico das Energias Renováveis, que será entregue ao Ministro da Tutela, para servir de base ao Governo na efectivação de uma política de energias renováveis.
Bibliografia
Estrela, Â. (2001). Energias renováveis: que futuro? AEP-Ambiente 49: 16-24.
Leituras Adicionais
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