Ecos da Gralheira: Os Emigrantes
Escreve: Carlos de Oliveira Silvestre
Emigrante é aquele que deixa a sua terra, a sua pátria, para ir trabalhar e viver noutro país, normalmente animado pela esperança de ali encontrar melhores condições de vida.
A Gralheira, como aldeia serrana e pobre, há muitos anos que vê os seus filhos saírem para outras paragens, para outros mundos, que lhes pareceram mais favoráveis, risonhos e atractivos. Primeiro, foi para o Brasil, de onde lhes chegavam notícias da árvore das patacas. Despediam-se da sua terra e da família, deixando atrás de si um rasto de lágrimas e saudades. Depois de uns meses de viagem de barco, lá chegavam a terras de Santa Cruz. Mas a árvore das patacas não estava lá. O que encontravam foi um monte de dificuldades, para se instalarem, para encontrar trabalho e sobreviver. Habituados ao sossego e tranquilidade dos montes, sentiam-se aturdidos no meio da grande cidade. E, quantas vezes à noite, no silêncio do seu quarto ou no desconforto de uma barraca, deixavam destilar na memória as mais belas imagens da sua aldeia? Eles, que saíram daqui, levando na bagagem sonhos, esperanças e saudades, passado algum tempo, só estas o acompanhavam. Os sonhos e esperanças já tinham desaparecido. E quantas vezes, no bulício da grande cidade, na vida agitada do dia-a-dia, o seu pensamento transpunha o Atlântico, fugia para estas bandas e vinha fixar-se na pequena aldeia que deixara nos contrafortes do Montemuro?
Muitos, trabalharam quanto puderam, dia e noite, com um único sonho e objectivo. Arranjar dinheiro para voltarem a Portugal, à sua terra. E foram aquelas saudades, que daqui levaram e que sempre os acompanharam, que cá trouxeram alguns, passados muitos anos. Vieram como peregrinos da vida, à fonte do baptismo, em busca de recordações da infância. Só que a aldeia que deixaram, entre lágrimas, já não era a mesma! Aquela aldeia cinzenta, de paredes graníticas enegrecidas e gastas pelo tempo, com coberturas de colmo, a confundir-se com a paisagem envolvente, já não existe, assim como muitas das pessoas que cá deixaram. Esse monstro, chamado progresso, transpôs serras e montanhas e chegou às aldeias mais recônditas e isoladas, como a nossa Gralheira. A aldeia cresceu, espreguiçou-se, com prédios novos a invadir campos e cabeços. As estrumeiras e chafurdes dos caminhos, deram lugar a calçadas modernas em cubos de granito e a telha substituiu o colmo. Muitas casas antigas foram reconstruídas e remodeladas. Mas, nem tudo o que era belo e tradicional se perdeu na voragem do tempo, nas ondas do progresso. Ainda se podem ver, na nossa aldeia, as águas límpidas e cristalinas, que correm e cantam nas fontes, córregos e ribeiros; as aves que fazem e refazem os seus ninhos; os moinhos que continuam a moer; os sinos, que tocam às Trindades e o povo que ainda reza e crê em Deus.
A emigração para o Brasil terminou na década de cinquenta do século passado. A partir de 1960, o grande êxodo foi para Lisboa. Só depois de 1974, começou a emigração para a Europa, mais propriamente para a Suíça. Não sei o número exacto, mas talvez mais de cem pessoas saíram da Gralheira, para trabalharem na Suíça. É uma comunidade muito forte e unida, sem nunca esquecer a terra onde nasceram. E ao contrário dos emigrantes antigos do Brasil, é lhes mais fácil comunicar e visitar a sua terra. Vêm, normalmente, duas vezes por ano, em Maio e Outubro e é em Maio que fazem a festa do emigrante, numa demonstração de bairrismo e amor à terra mãe. Integrada nessa festa, fazem também a da Senhora da Guia, com Missa solene e procissão, implorando a sua protecção, nas constantes viagens que fazem para a Suíça e vice-versa. Graças a estes emigrantes a Gralheira tem crescido muito, com novos e bonitos prédios e têm dado trabalho aos que cá ficam, a trabalharem na construção civil.
Que Deus os proteja e que em breve possam regressar de vez, como é seu desejo.
Gralheira, 23 de Maio de 2007
Carlos de Oliveira Silvestre
Ecos da Gralheira, Jornal “Miradouro” Nº 1612 III Série, 6 de Julho de 2007
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