Homenagem a meu tio José da Fonseca
Nascido em Abril de 1918, no seio de uma família modesta, embalado em berço de tábuas toscas, bem cedo se manifestou como homem de carácter recto e honesto, na vida quotidiana de homem do campo, de agricultor. Soube sempre conduzir o seu comportamento pelos ditames do dever e da honra, à frente de uma família numerosa, com mulher e nove filhos para sustentar. O seu apego ao trabalho, o entusiasmo e dinamismo com que executava as suas tarefas, contagiaram-me muito novo. Perdi o meu pai aos 12 anos de idade e foi com ele, que, eu e meus irmãos aprendemos a trabalhar. Passou a ser o meu pai, o meu amigo e confidente. Fizemos o trabalho juntos durante muitos anos. Era nas vessadas, na colheita do feno, nas ceifas, nas malhas, na colheita do milho, enfim, em todos os trabalhos do campo, até que cresci, me fiz homem e saí da Gralheira, em busca de melhores condições de vida. Mas, o seu exemplo, a sua coragem, a sua força, moldaram a minha vida, a minha maneira de ser. Andei errante por muitas terras, mas a sua imagem acompanhou-me sempre.
A força desse homem veio a revelar-se em pleno como autarca. Ainda na década de sessenta, como tesoureiro da Junta de Freguesia, foi o promotor do Regadio da Mata, que passou a conduzir a água do ribeiro até à Cale, em tubos de plástico, onde construiu três represas. A partir de então, passou a haver água em abundância, para regar. Terminaram as velhas poças de torrões, no ribeiro, de difícil acesso, cuja água era conduzida em levada de terreno poroso, não chegando, muitas vezes, ao seu destino. Construiu o tanque da Pena, indo buscar a água às fontes da Corga da Baliza, também em tubos de plástico.
A partir de 1974 primeiro, como presidente da Comissão Administrativa e depois como presidente da Junta, realizou obras de grande vulto e com pouco dinheiro. Tornou possível que a Gralheira fosse a primeira freguesia do concelho a ter água ao domicílio, incluindo a sede do concelho. A sua capacidade de mobilização levou a que, de cada casa, dessem quatro dias de trabalho gratuito. Quem estava ausente ou não podia, pagava os quatro dias a 150$00 por dia, que era quanto se ganhava em 1976, do nascer ao pôr-do-sol. Em troca, punha-lhes a água em casa. Assim, com o pouco dinheiro que a Junta tinha comprou os canos e o povo abriu o rego para os enterrar, das fontes altaneiras da serra até ao cima da povoação, onde foi construído o depósito. Desenhou e executou toda a rede de distribuição e em Julho de 1976, procedeu-se à inauguração, com grande festa e com a presença do então Presidente da Câmara, Prof. Cerveira Pinto e restante elenco Camarário. Em cada casa nasceu uma nova fonte naquele dia festivo, que passou a ser um marco e uma referência na história da Gralheira. Além desta importante obra, muitas outras o Tio José realizou, enquanto presidiu à autarquia. A seguir à água veio o saneamento, a construção da piscina, o Centro Social, o Campo de Futebol, lavadouros públicos, calcetamento de ruas, etc, etc. Tudo isto no tempo em que os membros da Junta não recebiam qualquer remuneração, pois tudo era feito por bairrismo, por amor à causa, por amor à sua terra. Quantas vezes fez a viagem a pé, daqui às Portas de Montemuro e vice-versa, com mau tempo e de noite, para ir a Cinfães às reuniões da Assembleia Municipal, ou para tratar de assuntos do interesse da Gralheira. Da Câmara, pouco dinheiro vinha, porque o não tinham também, mas com a sua argúcia e fino trato, sabia ir buscá-lo a outras instituições. Apesar de apenas saber ler e escrever, era um homem muito culto. Sabia muito da vida e como devia relacionar-se com pessoas que o podiam ajudar. Tinha a humildade de pedir conselhos e de se informar, com pessoas mais conhecedoras, dos assuntos. Estive muito tempo fora da Gralheira, mas quando cá vinha ele sentia gosto em comunicar-me o que pensava fazer e ao mesmo tempo, pedia a minha opinião. Na área da cultura foi o principal fundador do Grupo Etnográfico da Gralheira em 1982 e seu dirigente até 1985, altura em que regressei à Gralheira e assumi a direcção do mesmo.
Homem grande a quem a Gralheira muito deve.
Com a sua morte em 2001, a Gralheira ficou mais pobre. Pelo muito que fez e pelo amor e carinho que me dispensou, aqui lhe presto, assim, a minha sentida homenagem.
Gralheira, 14 de Junho de 2007
Carlos de Oliveira Silvestre
"ECOS DE MONTEMURO" Jornal Miradouro Nº 1618 de 12 de Outubro de 2007
|